A embriaguez, por Nietzsche

06/07/2014 16:02
"Para que haja arte, para que haja ação ou contemplação estética qualquer, uma condição fisiológica preliminar é necessária: a embriaguez. É preciso em primeiro lugar que a embriaguez tenha aumentado a irritabilidade de toda máquina: de outra forma, a arte é impossível. Todos os tipos de embriaguez, ainda que estejam condicionados o mais diversamente possível, têm potência de arte: acima de tudo a embriaguez da excitação sexual, essa forma de embriaguez mais antiga e primitiva. De igual modo, a embriaguez que acompanha todos os grandes desejos, todas as grandes emoções; a embriaguez da festa, da luta, do ato de bravura, da vitória, de todos os movimentos extremos; a embriaguez da crueldade; a embriaguez da destruição, a embriaguez sob certas influências meteorológicas, por exemplo, a embriaguez da primavera, ou então sob a influência dos narcóticos; finalmente, a embriaguez da vontade, a embriaguez de uma vontade acumulada e dilatada. O essencial  na embriaguez é o sentimento da força aumentada e da plenitude. Sob o domínio desse sentimento nos abandonamos às coisas, as obrigamos a tomar algo de nós, as violentamos – esse processus é chamado idealizar. Livrem-nos aqui de um preconceito: idealizar não consiste, como geralmente se crê, numa dedução e uma subtração do que é pequeno e acessório. O que há de decisivo, ao contrário, é uma formidável erosão dos traços principais, de modo que os demais traços desaparecem."


Trecho de Crepúsculo dos ídolos ou como filosofar com o martelo.
Friedrich Nietzsche, 1888.